Friday, December 31, 2010

Post#005 Organizacao paralela de circuitos funcionalmente segregados conectando os ganglios de base e o cortex cerebral

Post#005 Organizacao paralela de circuitos funcionalmente segregados conectando os ganglios de base e o cortex cerebral
Parallel organization of functionally segregated circuits linking basal ganglia and cortex. Garrett E. Alexander, Mahlon R. DeLong, Peter L. Strick. Annual Review of Neuroscience, 1986, 9, 157-181.

Nos posts anteriores eu descrevi alguns dos mais aceitos mecanismos neurais de aprendizagem motora, a teoria de aprendizagem motora e memoria de movimentos proposta Okihide Hikosaka, e uma visao resumida da anatomia e das funcoes das principais regioes cerebrais no comportamento. Felizmente a ciencia avanca, e em cada novo encontro cientifico novas descobertas sao aprensentadas. No ultimo post, por exemplo, nao foi retradado como as principais regioes do cerebro estao conectadas entre si. A falta desse conhecimento de anatomia e a escassez de dados devido a dificuldade de se estudar as conexoes neurais foi o principal responsavel pela visao classica de que os ganglios de base (basal ganglia, em ingles) e o cerebelo (cerebellum, em ingles) sao estruturas predominantemente envolvidas no controle motor. No entanto, novos estudos (alguns ja antigos), tem mostrado que essas duas estruturas desempenham outras funcoes, alem do controle do movimento, como aprendizagem, memoria, motivacao, comportamento social, avaliacao de acoes, entre outros. Nesse momento, vamos discutir somente as conexoes entre os ganglios de base e o cortex cerebral, pois os ganglios de base estao bastante envolvidos na aprendizagem motora e podem ser relacionados com algumas das principais teorias de aprendizagem motora, como a teoria de sistemas de aprendizagem paralelos de Hikosaka e de aprendizagem por feedback e circuitos fechados de Jack Adams, entre outros.

Ha 25 anos, Garrett Alexander, Mahlon DeLong and Peter Strick (provavelmente meu proximo chefe) publicaram um artigo de revisao no jornal Annual Review of Neuroscience, baseado em seus experimentos e de outros laboratorios, em que os resultados sugeriam que os ganglios de base recebiam conexao de varias areas do cerebro e que tambem enviavam conexoes para essas mesmas areas. O que e novo e antigo nessa historia vai ser discutido agora. Os primeiros estudos anatomicos investigando as conexoes entre os ganglios de base e regioes do cortex cerebral mostraram que varias regioes como o cortex prefrontal e parietal enviavam conexoes (fibras nervosas) para os ganglios de base. Ainda, esses primeiros estudos anatomicos, devido ao pouco desenvolvimento tecnologico, foram capazes de identificar que as fibras nervosas que saiam dos ganglios de base eram direcionadas apenas para o cortex motor primario. Naquela epoca acreditava-se que o cortex motor primario era a unica estrutura que enviava seus sinais diretamente para o coluna espinhal, e portanto, a unica estrura capaz de iniciar e controlar movimentos do corpo humano. Portanto, devido a escassez de estudos anatomicos mais detalhados, os principais cientistas do comportamento motor assumiram que os ganglios de base recebiam informacoes de varias partes do cerebro como o cortex prefrontal e parietal, processava essa informacao de alguma forma, e a enviava exclusivamente para o cortex motor primario para a execucao de movimentos. Essa visao foi reforcada devido a lesoes ou doencas degenerativas nos ganglios de base que causam principalmente problemas de controle de movimento.

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Figura 1. Esquema da visao classica de recebimento e envio de informacao pelos ganglios de base.(A) O nucleo caudado (caudate) e o putamen sao sas principais estruturas dos ganglios de base que recebem informacao de outras partes do cerebro (setas azuis). No entanto, o nucleo caudado e o putamen apenas recebem essas informacoes, e as transmitem para outras estruturas chamadas de globo palido interno (GPi) e substancia nigra reticulada (SNr), que tambem pertencem aos ganglios de base. O GPi e SNr enviam as informacoes recebidas para o nucleo talamico, que por sua vez encaminha as informacoes para o cortex premotor (segundo a visao classica). (B) Esquema basico da sequencia de transmissao de informacao do cortex cerebral para os ganglios de base, e dos ganglios de base para o talamus e de volta pra o cortex cerebral. As diferentes setas indicam os varios tipos de conexao sinaptica e os neurotransmissores envolvidos. As setas pretas continuas indicam neurotransmissores glutamatergicos (excitadores) e as pontilhas neurotransmissores gabaergicos (inibidores). Maiores detalhes do circuito local dos ganglios de base serao discutidos num proximo post.

Se a visao classica assumia que os ganglios de base funcionavam apenas na modulacao dos sinais que vinham do cortex cerebral, e os encaminhava para o cortex motor primario para a execucao de movimentos, entao qual foi a nova ideia proposta por Alexander, DeLong e Strick? Para entender bem a revolucao que esses cientistas provocaram na neurociencia e em diversas outras areas e necessario entender os seus metodos de pesquisa. O principal metodo foi com a utilizacao de certos virus biologicos capazes de se transferir de um neuronio a outro, nao de forma aleatoria em qualquer direcao, mas somente entre neuronios pre- e pos-sinapticos. Esses virus podem ser desenvolvidos para se transferir de uma neuronio a outro em duas direcoes: (a) para frente – anterograde , em ingles, ou seja, o virus se transfere de um neuronio para outro neurio que recebe seu axonio, e (b) para tras – retrograde, em ingles, ou seja, o virus se transfere do neuronio onde esta localizado para o neuronio que lhe envia conexao. Dessa forma, com a utilizacao desses virus e possivel identificar para onde um determinado neuronio manda seus sinais, e de onde esse neurionio. Existe ainda um tempo de espera para a transferencia do virus de um neurionio para outro neuronio. Em media, leva de um a dois dias para transferencias mono-sinapticas, ou seja, somente para outro neuronio, e de dois a ate 4 dias para transferencias di-sinapticas, ou seja, de um neuronio para outro neuronio, e desse neurionio infectado para outro neuronio.

Utilizando esse metodo esses pesquisadores injetaram o virus modificado (anterograde) em momentos diferentes em diversas partes dos cerebros de macacos. Ao esperar o tempo correto de transferencia do virus de um neuronio a outro, eles descobriram que as areas infectadas pelo virus mandavam fibras nervosas para regioes especificas dos ganglios de base. O mais interessante foi que essas fibras nao se emaranhavam, e permaneciam totalmente segregadas, como se fossem finos tuneis ligando uma area a outra. Assim, esses pesquisadores descobriram que diversas regioes do cortex prefrontal onde o virus foi injetado, mandavam fibras nervosas para areas distintas dos ganglios de base, como cortex prefrontal dorsolateral, cortex prefrontal orbital, cortex premotor, area motora supplementar e presuplementar (Figure 2). Que diversas areas do cortex frontal mandavam conexoes para os ganglios de base nao foi um resultado totalmente novo. A grande novidade foi a segregacao das fibras nervosas que eram totalmente separadas. Um exemplo proximo dessa organizacao seria um grupo de fibras musculares.
No entanto, os resultados mais surpreendentes viriam numa seria de experimentos (que ainda acontece atualmente), onde foi injetadoo o tipo de virus retrograde, ou seja, que vai em direcao aos neuronios de onde vem a conexao. Assim, injetando esse virus nas mesmas areas do cortex prefrontal seria possivel identificar de onde essas areas recebem conexao. Foi dessa forma que eles descobriram que essas areas recebiam conexao de areas distintas dos ganglios de base. O mais incrivel foi que essas areas dos ganglios de base que mandavam conexoes para as diversas regioes do cortex prefrontal, eram as mesmas areas que recebiam conexoes do cortex prefrontal. Esses resultados, somados aos dos estudos mais recentes, mudaram completamente a ideia classica da funcao unica dos ganglios de base no controle motor. Descobriu-se que areas cognitivas como o cortex prefrontal enviava conexoes para areas distintas dos ganglios de base, e que essas mesmas areas dos ganglios de base mandavam de volta conexoes para o cortex prefrontal. O recebimento de informacao de areas cognitivas e o envio de informacao de volta para essas mesmas areas mostrou que os ganglios de base tambem estao envolvidos na modulacao de processos cognitivos.

Figure 2. Visao moderna de conexao entre o cortex cerebral e os ganglios de base. Nesta figura apenas sao identificadas as areas no cortex prefrontal que enviam informacao aos ganglios de base atraves de circuitos (grupos de fibras nervosas) especificos, e recebem as informacoes de volta tambem atraves de circuitos segregados.

Baseado nesses resultados, os autores propuseram um modelo de processamento de informacao onde os ganglios desempenham a funcao de integracao das informacoes originarias de outras partes do cortex, e de reenviar essas informacoes para as mesmas areas por meio de circuits fechados e segregados atraves do talamus. A funcao e os mecanismos de integracao de informacao foi pouco explorada no artigo, no entanto, estudos mais recentes tem proposto modelos baseado na teoria computacional de aprendizagem por reforco que contem informacao do context, da resposta motora, e de sinais dopaminergicos que reforcam/associam ou inibem/impedem a repeticao de uma determinada acao motora e associacao da mesma com informacao do ambiente. Nesse novo modelo de organizacao anatomica, os autores propuseram que o cerebro e organizado em circuitos fechados paralelos, cada circuito responsavel pelo processamento de informacoes especificas: cognitivas, sensoriais, motoras, emocionais, e provavelmente visuais, etc. Voce poderia entao se perguntar, se esses circuitos parelelos sao segregados, entao como esses circuitos podem compartilhar informacoes? A resposta para essa questao tambem foi pouco explorada, no entanto, estudos mais recentes tem proposto que esse compartilhamento de informacao se da por meio de conexoes cortico-corticais e cortico-ganglios de base no nivel do nucleo estriado e GPi/SNr. Detalhes mais precisos dessa integracao serao discutidos em posts futuros.

Quais circuitos foram propostos e quais suas funcoes? Os autores, inicialmente, proporam a existencia de cinco circuitos, alem daquele ja conhecido que conecta os ganglios de base ao cortex motor primario, e de forma geral, cada um envolvido no processamento de informacoes relacionadas a processos cognitivos, emocionais, motivacionais, de controle de movimentos oculars e controle de movimento dos membros (Figure 3). Por outro lado, em estudos mais recentes, esse numero aumentou de cinco circuitos cresceu para multiplos subcircuitos, de forma que uma determinada regiao do neocortex contem varios subcircuitos. Esses subcircuitos sao identificados por possuirem representacoes somatotopicas (partes do corpo), ou organizacao citologica distintas.

 Figure 3. Esquema simplificado dos cinco circuitos ligando os ganglios de base e o cortex prefrontal. A ilustracao serve apenas para mostrar o circuito de transmissao de informacao entre o cortex, o corpo estriado (striatum), o globo pallido interno/substantia nigra reticulata, o talamus e a informacao retorna ao cortex cerebral. A ilustracao nao corresponde a uma organizacao hierarquica. Leia o arquivo original para maiores detalhes funcionais.


PS: como a ciencia avanca a cada minuto, muito embora a proposta inicial fosse a de que cada circuito desempenha funcoes especificas, novos estudos e abordagens teoricas tem mostrado que esses modulos neurais desempenham funcoes alem daquelas que sao normalmente aceitas, por exemplo, o circuito motor tambem esta envolvido em aprendizagem e planejamento de acoes, assim como o emocional em processos motores, e o cognitivo em processos motores. Espero discutir esses topicos em outros posts, quando tiver tempo. Aconselho o seguidor do blog a ler o artigo original e outros artigos semelhantes.




Monday, November 29, 2010

Post#004 Regioes do cerebro e suas funcoes no comportamento


Os conteudos dos tres primeiros posts desse blog (Post #001, 002 e 003) intencionalmente abordaram temas sobre aprendizagem e memoria de movimentos sequencias, principios basicos de controle e sequenciamento de acoes e estruturas cerebrais envolvidas na aprendizagem e memoria motora. Foi discutido a ideia de que em estagios iniciais de aprendizagem e utilizado predominantemente um sistema de coordenadas visuo-espaciais onde individuos necessitam de informacoes do ambiente para a geracao de respostas motoras; uma vez que a tarefa e aprendida apos inumeras repeticoes da resposta estereotipada, assume o controle do comportamento um sistema de coordenadas motoras, onde sao utilizadas representacoes corporais (padrao de ativacao muscular, velocidade do movimento, sequencia de interacao das articulacoes dos membros) adquiridas com a experiencia. Tambem foi discutido as evidencias de que esses dois sistemas de controle sao provavelme executados por circuitos cerebrais distintos: (a) estagio inicial de aprendizagem – sistema de coordenadas visuo-espaciais – circuito neural includindo o cortex prefrontal dorsolateral, area motora presuplementar e regiao anterior dos ganglios de base; (b) estagio avancado de aprendizagem – sistema de coordenadas motoras – circuito neural contendo a area motora suplementar posterior, area motora primaria e regiao posterior dos ganglios de base.
Para o iniciante com pouco conhecimento mas interessado em mecanismos neurais de controle e aprendizagem de movimentos, talvez seja um pouco dificil compreender textos como aqueles apresentados nos posts anteriores, tambem foi muito dificil pra mim, portanto nao se sinta amedrontado J. Francis Crick (ganhador do premio nobel pela descoberta da estrutura em helix do DNA) e Christopher Koch ha alguns anos em um artigo falaram que para se entender a funcao do cerebro no comportamento e importante entender a anatomia e conexoes do mesmo. Portanto, para facilitar o entendimento de futuros posts, nesse artigo vai ser relatada de forma simplificada a organizacao anatomica mais conhecida, as principais estruturas cerebrais (com poucos detalhes das sub-estruturas) assim como suas funcoes. So assim voce vai entender o que levou Okihide Hikosaka a suspeitar que diferentes estruturas estariam envolvidas no controle de movimentos em estagios diferentes de aprendizagem. No proximo texto sera abordado a visao computacional das tres principais estruturas cerebrais: o cortex cerebral, os ganglios de base e o cerebelo (Figura 1).
O cerebro, em prinicipio, e uma estrutura redundante, o que dificulta entender as funcoes de cada regiao. Estrutura redundante significa que diversas estruturas aparentemente estao envolvidas no mesmo tipo de processamento de informacao. A diferenca primordial para o entendimento dessas regioes com funcoes redundantes e o tipo de conexao que essas estruturas fazem com outras areas do cerebro. A figure 1 mostra as tres principais estruturas de processamento de informacao no cerebro: (a) cortex cerebral (grande area verde), (b) ganglios de base (contendo o nucleo caudado – caudate, e o putamen, area purpura) e o cerebelo (area cinza).

Essas estruturas sao consideradas distintas por tereem uma organizacao citologica peculiar, cada uma com certos tipos de celulas e outros componentes moleculares, alem de organizacao anatomica distinta para transmissao de informacao.

CORTEX CEREBRAL
O cortex cerebral e uma grande area superficial do cerebro e que e classicamente dividida em quatro grandes areas (Figura 2): (a) cortex frontal (regiao amarela), (b) cortex parietal (regiao verde), (c) cortex temporal (regiao vermelha) e (d) cortex visual (regiao azul). Apesar de haver diferencas essenciais entre essas areas, a organizacao estrutural e a mesma: todas possuem 6 camadas celulares com dois tipos de neuronios, um com a capacidade de gerar potenciais de acao em outras celulas, e o outro que tem a capacidade inibir esses potenciais de acao. Existem livros extensos especializados somente na funcao dessas camadas celulares, portanto, nao e o objetivo desse blog discutir esse assunto a fundo. Como essas areas sao chamadas de corticais, a interacao entre elas por meio de conexoes entre suas fibras nervosas e chamada de interacoes cortico-corticais. Algumas dessas areas tem mais e outras menos conexoes entre si. No estudo do comportamento motor, as principais estruturas corticais sao o cortex frontal (raciocinio e planejamento de movimentos deliberados ) e o cortex parietal (transformacao de informacoes do ambiente em acoes potenciais e padroes de movimento, e provavelmente em processos mais complexos como acumulo de evidencia na selecao da melhor resposta motora).

CORTEX FRONTAL
E dividido em cortex pre-frontal e cortex motor (separadas pela linha no meio do cortex frontal, Figure 2). O cortex pre-frontal tambem esta organizado em varias sub-regioes externas e internas. As principais sao: (a) cortex prefrontal dorsolateral, responsavel pelo raciocinio, planejamento e organizacao do comportamento mental e motor e working memory; (b) prefrontal cortex anterior , somente recentemente foram realizados estudos mais especificos para investigar a funcao dessa area, e a funcao mais aceita e a organizacao hierarquica super-ordenada na combinacao de comportamentos em respostas mais complexas, (c) ventro-medial prefrontal cortex, e uma area que contem estruturas emocionais e de motivacao, que respondem a reforcos externos que funcionam como premios pela execucao de respostas motoras com sucesso (bater palmas, suco, dinheiro, etc), nao necessariamente a padrao motor, e que tambem recebe conexao com outras estruturas do sistema limbico como a amigdala (d) areas motoras, responsavel pelo controle dos paramentros do movimento e execucao de movimentos, mas existem areas motoras cognitivas, a ativacao nao esta relacionada com o movimento em si, mas com o planejamento do movimento, e existem as areas motoras pripriamente ditas. A mais recente teoria sobre a funcao do cortex pre-prontal e a de integracao de informacao proposta por Miller e Cohen (1999). Na realidade, nada de muito novo foi proposto nessa teoria, mas os autores conseguiram resumir e juntar (como em uma toalha de retalhos) diversos pedacos de teorias propostas por outros pesquisadores, e concluiram que o cortex pre-frontal tem a capacidade de receber e manipular informacoes de outras areas do cerebro para o planejamento de comportamentos futuros baseado nas consequencias que esses comportamentos podem causar, assim como o sucesso e o que se pode adquirir com esses comportamentos simulados. Posso aconselhar ao estudante iniciante em neurociencia a ler esse artigo, e seguir as referencias citadas para decidir qual a melhor ou melhores explicacoes para as funcoes do cortex prefrontal. Esse artigo de Miller e Cohen ja foi publicado ha mais de dez anos, e nesse periodo muitas outras propostas novas e mais originais tem sido levantadas inclusive modelos matematicos biologicamente plausiveis (procure artigos por Kenji Doya, Richard Passingham, Patricia Goldman-Rakic, Nathaniel Daw e referencias relacionadas).

CORTEX PARIETAL
Basicamente o cortex parietal esta organizado em tres principais areas: (a) regiao anterior: contem a area somatosensorial que recebe conexao corporal periferica diretamente da coluna espinhal e de receptores proprioceptivos e musculares; (b) parietal cortex superior e (c) parietal cortex inferior. Ate recentemente essas duas ultimas estruturas era consideradas semelhantes nas suas funcoes, porem nos ultimos 10 ou 15 anos e ate mesmo nos ultimos 3 anos, novas funcoes foram descobertas que envolvem a consciencia em primeira pessoa na realizacao de movimentos ou na interacao social e aquisicao de linguagem falada. O cortex parietal recebe conexao direta do cortex visual, portanto e muito dificil nao relacionar a funcao dessas duas estruturas. Uma das principais e mais aceitadas funcoes do cortex parietal superior e a associacao e transformacao de informacoes visuo-espaciais em acoes potenciais e parametros de movimentos. Nesse momento uma discussao sobre a funcao da regiao inferior do cortex parietal nao e importante. Devido a utilizacao de informacao visual na geracao de respostas motoras, tambem tem sido proposto que a atividade neural no cortex parietal e capaz de predizer estados futuros de posicoes do corpo ou alteracoes no ambiente como resposta de acoes corporais (procure artigos escritos por Richard Andersen). Esse e um assunto no qual tenho bastante interesse, principalmente com o uso de tecnicas computacionais (machine learning) para extracao/decodificacao de informacao.

CORTEX TEMPORAL
Essa e uma regiao que pode ser dividida de forma geral na area laral externa observada na Figure 2 (area vermelha) e area medial (nao aparece mais imagine uma area de 2 a 5 centimetros abaixo da area lateral). O cortex temporal e tambem conhecido como cortex associativo, ou seja, e capaz de armazenar informacoes episodicas do dia a dia. Nessa discussao o foco sera a area medial conhecida como hipocampo. O hipocampo e uma area de formacao de memorias episodicas, ou seja, fatos, eventos, localizacao espacial, e conhecimentos que podem ser facilmente expressados de forma verbal. O hipocampo e responsavel principalment pela formacao da memoria declarative, como tido antes, aquela que o individuo tem acesso consciente a informacao podendo expressa-la verbalmente. A principal evidencia para o envolvimento do hipocampo em memoria declarative foi um paciente conhecido como H.M. (as iniciais do nome), que teve uma cirurgia de retirada de estruturas da regiao medial, e que perdeu a capacidade de formar novas memorias. Esse paciente participou por varios anos, talvez mais de 30 anos, em experimentos com os mesmos cientistas, mas sempre que eles se encontravam a pergunta classica dele para os cientistas era: quem e voce? No entanto, esse paciente H.M. era capaz de aprender habilidades motoras e aprimorar a sua performance, mesmo que ele nao se lembrasse e dissesse que nao sabia o porque de saber fazer certas tarefas motoras. Os pesquisadores portanto levantaram a hipotese de que uma outra area do cerebro provalvemente fosse responsavel pelo aprendizagem de comportamentos motores “menos conscientes”. A suspeita principal caiu sobre os ganglios de base. O cortex temporal tambem recebe suas principais conexoes do cortex visual, e juntos possuem areas em comum, por exemplo, para o reconhecimento de objetos, formas, cores, e diversas estruturas para o reconhecimento de faces humanas. Existem grupos de pesquisa respeitadissimos para estudos nesses topicos. Atualmente varias tecnicas cientificas tem sido utilizadas para o estudo dos mecanismso da formacao de memorias pelo hipocampo, como por exemplo analise de expressao genica, metodos geneticos de ativacao ou inibicao de conexoes especificas do sistema do hipocampo (metodo desenvolvido pelo japones Susumo Tonegawa, ganhador do premio nobel de medicina pelo seu trabalho em imunologia, vou postar a foto que tirei com ele em Okinawa). Finalmente, um grupo de pesquisadores do MIT gravou o padrao de ativacao dos neuronios do hipocampo enquanto ratos aprendizam a se locomover numa determinada area. Surpreendetemente, os mesmos padroes de ativacao foram observados quando os ratos estavam dormindo, como se o cerebro tivesse rodando um filme durante o sono. Como se sabe que o sono e importante para a formacao de memorias, acredita-se que esse “playback” seja necessario para que as memorias se consolidem de forma resistente no cerebro. Uma outra funcao dos neuronios do hipocampo conhecidos como “place field” ou “place cells”, e significa que certos grupos de celulas ficam ativas toda vez que ratos ou macacos se locomovem por regioes especificas do ambiente, como se essas celulas tivessem um mapa de localizacao espacial, ou como se funcionassem como um GPS biologic implantado no cerebro. Outro trabalho atual e realizado por Christopher Koch que registrou a ativacao de neuronios em pacientes humanos que sofrem de epilepsia. Antes desses pacientes passarem por cirurgias no cerebro para retirada de parte do lobo temporal como forma de curar ataques epilepticos, algumas tarefas foram apresentadas. Na realidade o tempo para estudar esses pacientes e bastante limitado devido a restricoes eticas. Um dia antes da cirurgia propriamente dita, de manha varias fotos de pessoas famosas foram mostradas aos pacientes enquanto a ativacao dos neuronios no cortex temporal era registrada. Esses neuronios ficavam ativos a fotos de diversos artistas famosos, mas nao para outros. Entre o intervalo da manha e da tarde, os pesquisadores coletavam na internet centenas de fotos diferentes desses artistas que causavam a ativacao dos neuronios. Na sessao da tarde, essas fotos eram mostradas e esses mesmos neuronios respondiam com mais ou menos intensidade para fotos em diversas poses, roupas, caretas, desenhos do mesmo artista. Os pesquisadores descobriram que esses neuronios ficavam ativos para apenas um artista, por exemplo, Silvester Stallone, mas nao para outros artistas, que tambem tinham seus proprios neuronios. Essa e parte de uma apresentacao numa conferencia realizada no Japao, e que provavelmente sera publicada numa revista de alto impacto brevemente.

CORTEX VISUAL
O cortex visual e a principal area do cerebro que recebe conexao direta da retina dos olhos. Nem tudo que se ve e visto pelo cerebro. A quantidade de informacao que chega do ambiente aos olhos e extremamente grande em relacao ao numero de fibras oticas nervosas que ligam os olhos ao cortex visual. Recentemente, Zao Ping Li, uma pesquisadora chinesa, propos um modelo de processamento de informacao visual de compressao dessa informacao atraves dos canais de transmissao de informacao, e consequentemente o modelo tambem descreve mecanismos de “descompressao” ou de reconstrucao dessas informacoes em areas distintas do cortex visual. Uma das principais descobertas da funcao do sistema visual foi o ‘direcionamento’ de sinais que chegam a retina. Por exemplo, Torsten Wiesel (ganhador do premio nobel de medicina por seu trabalho com o sistema visual; tambem ja tive a sorte de tirar foto com ele!), ao estimular a visao de gatos em experimentos, descobriu que quando uma pequena barra manipulada com a mao passava em frente aos olhos do gato, e atividade neural dos neuronios da retina era gravada, esses neuronios respondiam dependendo da direcao (horizontal, vertical, diagonal) da barra e da posicao da barra em relacao a retina. Apesar do cortex visual ser a principal area de processamento de informacao visual, outras areas subcorticais tambem recebem informacao visual diretamente da retina e tem sido alvo de varios estudos recentemente, como o coliculo superior, que recebe essa informacao e e capaz de realizar movimentos direcionais, ou seja, movimentar os olhos e a cabeca em direcao a informacao visual que chama atencao no ambiente. Classicamente, o sistema visual foi funcionalmente dividido em dois mecanismos, um sistema visual dorsal ligando o cortex visual e a regiao superior do cortex parietal, e um sistema visual ventral ligando o cortex visual e o cortex temporal. Varias funcoes tem sido propostas, como a de que o sistema dorsal e analisa informacoes relacionadas ao “onde” ou localizacao no ambiente, e o sistema ventral processa informacoes relacionadas ao “o que”, ou reconhecimento de objetos, formas, pessoas, etc, presentes no ambiente. Essa e uma teoria proposta ha pelo menos 20 anos por Mishkin e Ungerleider. A teoria mais recente propoe a existencia de tres sistemas visuais, o terceiro liga o cortex visual ao cortex parietal inferior. Essa teoria proposta por Giacomo Rizzollati e uma extensao daquela proposta por Melvin Goodale e por Marc Jeannerod. Segundo essa teoria, o sistema dorsal recebe informacao visual e e responsavel pela programacao de movimentos em relacao ao ambiente. Segundo Rizzollati, esse sistema seria responsavel pela implementacao do conceito de affordances, proposto por James Gibson, ou seja, esse sistema e capaz de gerar multiplas opcoes de acao. E necessario um post com discussao sobre esses sistemas visuais e a relacao com o comportamento motor.

Figure 3. (A) Diversas visoes de orientacao de um cerebro estandardizado para comparacao entre diversos estudos. E possivel ver somente as regioes corticais e o cerebello. A cor vermelha foi criada para destacar a posicao interna dos ganglios de base. (B) Image transparente do cerebro mostrado em (A) e as regioes escuras mostra a ativacao global dos ganglios de base. (C) Mostra a localizacao interna dos ganglios de base, nessa image o nucleo caudado e o putamen, e a cor quente mostra a ativacao dos ganglios de base durante a execucao de movimentos sequenciais. Note o pico da ativacao esta localizado na regiao mais posterior observavel no eixo Z, e essa regiao recebe conexao do cortex motor primario. 

BANGLIOS DE BASE E CEREBELO
Classicamente os ganglios de base e o cerebelo sao vistos como estruturas relacionadas ao controle do movimento, e as evidencias que levam a essa funcao vem de estudos em pacientes com lesoes ou doencas degenerativas nessas areas com, o mal de Parkinson, doenca de Huntington. Alem disso, estudos mais antigos nao eram capazes identificar todas as conexoes dos ganglios de base e cerebelo com outras areas corticais. Sabia-se que essas areas recebiam informacao de diversas areas do cerebro, mas repassavam essa informacao somente para o cortex motor, responsavel pela execucao e controle dos  movimentos. No entanto, novas tecnicas de identificacao de conexoes neurais desenvolvidas nos ultimos 30 anos permitiram mostrar que os ganglios de base e o cerebelo recebem conexao de areas consideras cognitivas, como o cortex dorsolateral prefrontal, e tambem enviam conexao para essa mesma area. Isso significa que a informacao original vinda do cortex dorsolateral prefrontal, geralmente relacionado ao raciocinio e planejamento de ideas e comportamentos, e enviada aos ganglios de base e cerebelo, e processada nessas areas, e e enviada de volta ao cortex dorsolateral prefrontal. Portanto, essas areas tambem desempenham papel primordial em processos cognitivos. Tambem existem diferencas topograficas nas conexoes dessas areas, por exemplo, a parte mais anterior dos ganglios de base, incluindo o nucleo caudade e o putamen, recebem projecoes do cortex prefrontal, e a parte mais posterior recebe conexoes de areas motoras e somatosensoriais. Ja a regiao mais lateral do cerebelo, conhecidas como hemispherio cerebellar, recebe conexoes do cortex prefrontal e a regiao mais anterior recebe conexoes de areas motoras. Varias teorias e modelos computacionais tem sido propostos sobre a funcao dos ganglios de base e cerebelo em processos cognitivos. Estudos anatomicos mais recentes tem proposto novas organizacoes nas conexoes dessas areas, mas isso sera tema de posts futuros.

PS. Em vez das referencias completas, somente os nomes dos principais pesquisadores foi citado no texto, portanto, se o leitor estiver interessado num dos temas discutidos acima, basta procurar pelos artigos escritos por esses pesquisadores.Os erros de portugues sao devido ao desuso, mas espero que com a pratica nessa blog eu possa melhorar, e tambem com os comentarios do leitor.

Tuesday, November 16, 2010

Post#003 Circuitos neurais paralelos de aprendizagem de comportamentos sequenciais

Essa e a terceira e ultima parte do artigo teorico publicado por Okihide Hikosaka e que ja foi discutido nos Posts #1 e #2.

Alem da analise dos dados dos experimentos de desativacao reversa com o uso do composto quimico conhecido como muscimol (aconselho ao leitor procurar mais detalhes omitidos aqui sobre a acao antagonista do muscimol na ativacao do neuronio, caso voce esteja interessado em realizar experimentos com animais), foi tambem analisada a atividade dos neuronions dos macacos enquanto estes realizavam o experimento praticando a tarefa 2x5. Talvez voce possa achar reduntante, mas ha varios motivos para realizar todos esses experimentos.

O principal motivo e confirmar que uma determinada area cerebral e realmente importante para certos processos de aprendizagem e controle dos movimentos. Nos experimentos coordenados por Hikosaka o foco principal foi estudar a aprendizagem de movimentos, mas outros grupos, principalmente o grupo liderado por Jun Tanji, entre outros, estudaram a funcao de certas areas do cerebro no sequenciamento de acoes, e descobriu por exemplo, que alguns neuronios ficam ativos antes da execucao de determinadas sequencias, e outros neuronios ficam ativos na execucao de determinados elementos da sequencia. Esse assunto vai ser um topico de posts futuros.

Nesse experimento foram implantados eletrodos para gravar a atividade de neuronios no nucleo estriado (no ingles: dorsal striatum) que e a parte dos ganglios de base que recebe conexao de outras areas do cerebro. Foram implantados eletrodos na regiao anterior e posterior do nucleo estriado (aconselho a ver a figura mostrando essas duas areas no Post#002). Existem diferencas de conexao anatomica entre essas duas areas, por exemplo, a parte anterior, tambem chamada de nucleo estriado associativo, recebe conexao de areas prefrontais que tem envolvimento em processos mais cognitivos como aprendizagem, raciocinio e planejamento, ao passo que a area mais posterior recebe conexao de areas pre-motoras e motoras que contem mapas somatotopicos (de regioes do corpo) e provavelmente desempenham papeis relacionados a memoria de movimentos.

Os resultados motraram que os neuronios na parte anterior do BG ficavam mais ativos quando os macacos estavam aprendendo novas sequencias de movimento (figura superior esquerda), mas a ativacao desses mesmos neuronios na area anterior diminuia quase que por completo quando sequencias previamente aprendidas eram executadas (figure superior direita). Um padrao inverso de ativacao foi encontrado em neuronios na regiao posterior do BG. Os neuronios nessa area nao ficavam ativos quando os macacos aprendiam novas sequencias (figure inferior esquerda), mas a ativacao desses neuronios aumentava significantemente quando os macacos executavam sequencias ja aprendidas (figure inferior direita).


Em ourtra serie de experimentos com seres humanos, usando ressonancia magnetica funcional (fMRI, equipamento similar a tomografia computadorizada, que permite identificar a ativacao de areas do cerebro quando as pessoas realizam movimentos, praticam jogos, etc.). Os individuos foram testados quando estavam dentro do fMRI scanner praticando a tarefa 2x5. Na figura abaixo voce ve a referencia do artigo publicado no Journal of Neuroscience (jornal de alto impacto na area de neurociencia e comportamento) e um resumo dos resultados. Na figure (a) e (b) voce ve a performance do um dos individuos que praticou a tarefa enquando a ativacao das areas do cerebro foi gravada. A performance desse individuo foi semelhante a dos macacos. Este individuo tambem aprensentou uma aparente transicao em estagios de aprendizagem. Voce pode observar que as primeiras tentativas sao bastante falhas e sem acertos (uma sequencia correta tinha que atingir o numero 10 no eixo y), um estagio intermediario onde existem acertos mas a performance ainda e falha com alguns erros, e um estagio avancado com uma performance perfeita, sem erros. A figura (b inferior) mostra o tempo de reacao.

Do lado direito da figure esta um esquema que eu fiz (para uma apresentacao) e que resume a mudanca no padrao de ativacao de algumas areas do cerebro. O cortex dorsolateral prefrontal esquerdo (left DLPFC) ficava ativo principalmente no estagio inicial de aprendizagem (early). Ja  essa mesma regiao do lado direito junto com a area motora suplementar (preSMA) ficavam ativas predominantemente tanto no estagio inicial quanto no estagio intermediario. No entanto, areas do cortex parietal (precuneus e sulco intra-parietal) fiavam ativas principalmente em periodos mais avancados de pratica. Esses resultados motram que houve uma transicao no padrao de ativacao, com as areas prefrontais ativas predominantemente em estagios iniciais, quando os individuos precisam de bastante raciocinio e atencao para aprender a sequencia correta, e apos o aprendizado correto da sequencia, areas do cortex parietal aparentemente assume o controle dos movimentos quando estes se tornam automaticos devido praticas repetidas.

Se voce leu o Post#002, voce pode notar que a area preSMA possui conexao com a area anterior da BG e essas duas areas sao conectadas com a area DLPFC. Portanto, Hikosaka concluiu que o circuito cerebral que liga as areas DLPFC>preSMA>antBG sao responsaveis por periods iniciais de aprendizagem e utilizam um sistema de coordenadas visuo-espaciais sendo altamente dependente de informacao do ambiente para o aprendizado de novas habilidades. Por outro lado, o circuito que liga o cortex parietal>SMA>posBG  e provavelmente responsavel pelo armazenamento de memorias motoras, utilizando um sistema de coordenadas motoras para o controle e geracao rapida de respostas motoras baseado em representacoes internas adquiridas ao longo da aprendizagem.

PS. Hikosaka foi um dos pioneiros no estudo de movimentos sequenciais e analise da funcao cerebral. Porem, muitos outros pesquisados tem estudados outros aspectos da aprendizagem motora, como aprendizagem explica e implicita, memoria declarativa ou de procedimentos, movimentos voluntarios ou habituais. Eu recomento ao leitor que procure os artigos de Julien Doyon, Scott Grafton, Richard Passingham, Jun Tanji, entre outros, para aprender mais sobre mecanismos neurais na aprendizagem de movimentos sequencias, que sera novamente tema desse blog em posts futuros.

Saturday, November 13, 2010

Post#002 Circuitos neurais paralelos de aprendizagem de comportamentos sequenciais

Nessa segunda parte vou relatar os resultados da ativacao de algumas areas cerebrais que Hikosaka e seus colaboradores estudaram. Existe uma diferenca primordial entre os resultados obtidos por Hikosaka e outros grupos que anteriormente haviam estudado comportamentos sequenciais. Alias, nesse sentido e na epoca desses estudos os japoneses estavam muito a frente dos outros grupos. Esses estudos nao estavam interessados apenas em reportar quais areas ficavam ativas em estagios iniciais de aprendizagem e as areas ativas em estagios mais avancados, mas sim em determinar a funcao especifica dessas areas na aprendizagem e sequenciamento de movimentos.

Desativacao Reversa
Nesses experimentos foi injetado em situacoes diferentes uma certa quantidade de um composto quimico (muscimol) em areas especificas do cerebro. O muscimol tem a capacidade de fazer os neuronios pararem de responder a estimulos vindos de outras partes do cerebro por um period de tempo mas sem realmente danificar o tecido neural, uma especie de lesao reversa temporaria. As principais areas estudas foram os ganglios de base (basal ganglia, BG) que e uma estrutura subcortical localizada no centro do cerebro, e uma estrutura cortical localizada na parte medial superior do cortex prefrontal e chamada de area motora suplementar (supplementary motor area), que pode ser dividida anatomicamente e funcionalmente na parte mais anterior (preSMA) e na parte posterior (properSMA).

A injecao de muscimol na area preSMA afetou a performance dos macacos principalmente quando estes tinham que aprender novas sequencias de movimentos, com um grande numero de erros, e dificultando o aprendizado. No entanto, essa lesao nao afetou a performance da sequencias que os macacos haviam aprendido previamente. Esses resultados demonstraram que a area preSMA e importante em processos cognitivos relacionados a aprendizagem de novos comportamentos, mas nao e importante para a expressao de comportamentos ja aprendidos.
Apos passarem os efeitos da lesao na area preSMA, a segunda parte do experimento foi injetar muscimol na area properSMA, mais posterior anatomicamente. Os resultados foram opostos aqueles encontrados com injecao de muscimol na area preSMA. A inativacao da area properSMA nao diminuiu a capacidade dos animais de aprenderem novas sequencias, mas afetou a performance de sequencias ja aprendidas, como se a area properSMA funcionasse na expressao de movimentos aprendidos, ou seja, uma area de armazenamento de memorias motoras.

Resultados semelhantes foram obtidos com a injecao de muscimol em diferentes partes da BG. Ao injetar muscimol na parte anterior da BG (antBG) os macacos tiveram dificuldade de aprender novas sequencias, mas nao na performance de sequencias ja aprendidas. Por outro lado, a injecao de muscimol na parte posterior da BG (posBG) afetou a performance de sequencias ja aprendidas, mas nao no aprendizado de novos movimentos.

E importante entender um pouco das conexoes entre essas areas e outras areas do cerebro. Por exemplo a area preSMA e antBG sao mutuamente conectadas e tambem recebem conexao de areas mais cognitivas como o cortex dorsolateral prefrontal (area de Brodman 46), e que e extremamente importante em processos executivos, na aprendizagem, reasoning and working memory. Ja a area properSMA e posBG tambem sao mutamente conectadas e recebem input de areas do lobo parietal posterior e do lobo temporal, que sao areas associativas envolvidas no armazenamento de memorias. Essas conexoes suportam a hipotese de Hikosaka, da existencia de circuitos de aprendizagem paralelos, em que o sistema de coordenadas visuo-espaciais e implementado pelo circuito ligando o cortex dorsolateral prefrontal-preSMA-BG usando informancoes visuais, ao passo que o sistema de coordenadas motoras e implementado pelo circuito ligando principalmente as areas properSMA-posBG-parital cortex. E necessario dizer que as areas properSMA e posBG possuem representacoes somatotopicas, ou seja, a estimulacao de algumas partes dessas areas causa o movimento de certas partes do corpo, como mao, bracos e pernas. Portanto, isso significa que as memorias motoras sao representadas em areas de facil acesso ao controle do corpo humano.

PS. O proximo post vai trazer os resultados dos experimentos da analise da ativacao neural das mesmas areas. Ainda, existem 3 estruturas principais no cerebro, o cortex cerebral, os ganglios de base, e o cerebelo. A organizacao loca dessas areas e bastante diferente, e esse artigo do Hikosaka serve como introducao para novas discussoes nos proximos posts.

Post#001 Circuitos neurais paralelos de aprendizagem de comportamentos sequenciais. (TL)

Parallel neural networks for learning sequential procedures. Trends in Neuroscience (1999), v. 22, 464-471.
Okihide Hikosaka, Hiroyuki Nakahara, Miya K. Rand, Katsuyuki Sakai, Xiaofeng Lu, Kae Nakamura, Shigehiro Miyachi and Kenji Doya

O comportamento humano em geral e regido por sequencias de eventos biologicos que acontecem simultaneamente, e em paralelo. Esses eventos sao representados em diversos niveis no corpo humano, por exemplo, mecanismos moleculares de expressao genica para a producao de proteinas que acontecem de forma independente em varias regioes do corpo, a transmissao de impulsos neurais entre diversas regioes do cerebro, ou correr e driblar uma mola de basquete, saltar e realizar um arremesso de handebol, dirigir um automovel e conversar com o passageiro ao lado, a sequencia de movimentos dos dedos de um pianista, a sequencia de movimentos dos dedos das minhas maos ao digitar este texto que voce esta lendo gracas a sua habilidade de manter sua postura do tronco e cabeca e a sequencia dos movimentos dos seus olhos da esquerda para a direita.

No artigo em discussao, Okihide Hikosaka, autoridade mundial em estudos de aprendizagem motora e funcao cerebral, propoe uma teoria de aprendizagem motora que foi elaborada apos uma serie de estudos realizados em seu laboratorio com seres humanos e macacos enquanto estes aprendiam sequencias de movimentos dos dedos das maos ao praticar um jogo de computador. O jogo era bastante simples e foi chamado de “tarefa 2x5” (Figura 1). Nesse jogo foi utilizada uma tela de toque de computador e os individuos ficavam na frente da tela. O jogo comecava ao apertar um botao embaixo proximo a tela e em seguida a luz (meia luz) de 16 botoes organizados numa matrix de 4x4 acendia na tela. Apos um curto tempo, a luz de dois botoes era acesa ao maximo, e os individuos tinham que aprender a sequencia correta de apertar os dois botoes. Caso um dos botoes fosse apertado na sequencia errada, todos os botoes se apagavam e a tarefa tinha de recomecar apertando o botao embaixo da tela. Por outro lado, se os botoes fossem apertados na sequencia correta, a luz desses se apagava e mais outros dois botoes acendiam. Esse procedimento se repetia cinco vezes e portanto, os individuos tinham que aprender uma sequencia de 10 movimentos. Versoes adaptadas foram utilizadas com humanos, porem seguindo os mesmos principios. Como criterio de aprendizagem todos os individuos tinha que realizar a sequencia correta de 10 movimentos pelo menos 20 vezes consecutivas sem erros. O interessante e que essa tarefa pode ser utilizada tanto para se estudar os processos de aprendizagem, quanto aqueles envolvidos na memoria, ou seja, uma vez aprendida uma sequencia de movimentos, ela pode ser repetida varias vezes num dia, numa semana, ou ao longo de anos. Ainda, para motivacao os macacos recebiam algumas gotas de suco (macacos gostam de suco de maca) ao realizar uma sequencia correta de dois movimentos.

 Figura 1A. Sequencia de eventos na tarefa 2x5. Figura1B. O grafico a esquerda mostra a performance no aprendizado de uma nova sequencia, e o grafico a direita mostra a performance de uma sequencia ja aprendida.

Os resultados foram surpreendentes. Os macacos aprendiam tao rapido quantos os humanos, e tambem conseguiam lembrar e executar sequencias de movimentos sem cometer qualquer erro mesmo apos 3 anos do inicio do experiment. Hikosaka e colaboradores tambem conseguiram explicar e observar diversos fenomenos de aprendizagem.
(1) a memoria de movimentos e dependente do membro utilizado, ou seja, quando os individuos foram instruidos para executar a sequencia aprendida com a mao que nunca havia sido utilizada, a performance foi muito baixa e com muitos erros, no entanto, nao foi observada diferenca em performance logo no inicio da aprendizagem. Hikosaka entao sugeriu que a memoria motora pode ser acessada de forma adequada principalmente no estagio inicial de aprendizagem, mas muito pouco apos experiencia prolongada.
(2) A sequencia de movimentos e aprendida como um todo e nao em parte por elementos. Em certas tentativas, a ordem dos movimentos de certos elementos da sequencia era trocada, mas facil de entender caso os individuos notassem. No entanto, os individuos nunca foram capazes de notar essas trocas, mas quando a sequencia volta ao normal, a performance novamente melhorava. Todavia, se essa troca fosse feita no estagio inicial da aprendizagem, entao todos os individuos conseguiam nota-las e manter o mesmo nivel de performance. Com os macacos foram utilizados dois metodos alem da observacao do comportamento, analise do padrao de ativacao dos neuronios em diversas areas do cerebro, e o metodo de lesao reversa, ou seja, a injecao de compostos quimicos que fazem com que os neuronios parem de “funcionar” por um certo period de tempo.
(3) Aquisicao de movimentos antecipatorios. Com a aprendizagem correta da sequencia, todos os individuos, macacos e humaos, comecavam a levar os dedos em direcao dos botoes mesmo antes da luz dos botoes ser acesa, e os olhos moviam-se e fixavam os botoes mesmo antes do inicio dos movimentos das maos.
(4) Formacao de uma memoria estavel em que mesmo apos longos periodos sem praticar uma sequencia, uma vez que essa sequencia era exigida a performance da mesma mantinha a mesma consistencia das ultimas vezes em que a sequencia foi executada.

Outras observacoes foram feitas, como movimentos mais exploratorios no inicio da aprendizagem, uma vez que a sequencia correta tinha que ser descoberta, e em outras situacoes a aprendizagem de novas sequencias era mais rapida, o que significa que experiencias anteriores auxiliavam no novo aprendizado, numa especial de transferencia de aprendizado. Uma outra observacao importante do comportamento foi que, a aprendizagem de uma nova sequencia era mais rapida que melhorias na velocidade da execucao que acontecia mais lentamente.

Esses resultados sao bastante reveladores, porem, o mais importante foi a interpretacao teorica proposta por Hikosaka cuja equipe de colaboradores era formada por neurocientistas, psicologos, engenheiros e matematicos utilizando abordagens computacionais. Hikosaka estava interessado em caracterizar as mudancas na performance e associar essas mudancas com mecanismos distintos de processamento de informacao durante os estagios de aprendizagem. Primeiro, Hikosaka propos 3 estagios de aprendizagem a partir de observacoes do comportamento: estagio 1, caracterizado por movimentos exploratorios, movimentos lentos, muitos erros e sem acertos; estagio 2, os individuos conseguiam executar algumas sequencias corretas, mas ainda assim, seguidos de muitos erros e estagio 3, performance sem erros, automatica e rapida. Inicialmente, a aprendizagem de uma sequencia de movimentos se da pela aprendizagem de cada componente da sequencia de forma separada e ha uma alta dependencia de informacao sensorial visuo-espacial. Dessa forma, Hikosaka propos que a principal caracteristica do estagio inicial de aprendizagem e o uso de coordenadas visuo-espaciais, pois os individiuos precisam associar uma informacao externa a producao de determinados movimentos que inicialmente sao independentes um do outro. Apos repetir a mesma sequencia de forma correta varias vezes, acontece uma transicao de coordenadas visuo-espaciais para coordenadas motoras, ou seja, os individuos conseguem executar a sequencia sem a necessidade da informacao visual, mas a partir de representacoes motoras e corporais dos movimentos (Figure 2).

Figure 2. Representacao esquematica do aprendizado de movimentos sequenciais e os mecanismos paralelos de aprendizagem. (A) inicialmente cada elemento da sequencia e aprendido independentemente. (B) As setas verdes representam a predominancia de controle do sistema de coordenas visuo-espaciais no inicio do aprendizado quando a execucao de acoes e dependente do uso de informacao do ambiente. (C) Apos repetidas praticas, o sistema de coordenadas motoras assume o controle num estagio avancado da aprendizagem, numa especie de memoria motora, que e representado pelas setas azuis, com menor dependencia de informacao do ambiente (setas pontilhadas), mas com o uso de representacoes internas dos movimentos.

Segundo Hikosaka, esses dois sistemas de aprendizagem, coordenadas visuo-espaciais e motoras, operam em paralelo, durante todo o processo de aprendizagem. No entanto, o sistema de coordenadas visuo-espaciais e dominante no estagio inicial, enquanto o sistema de coordenadas motoras assume maior controle apos repetidas praticas. Ainda, o sistema de coordenadas visuo-espaciais aprende mais rapido e tem maior flexibilidade de adaptacao, enquanto o sistema de coordenadas motoras aprende mais lentamente porem de forma mais robusta na consolidacao da memoria e formacao do habito.

Essa hipotese se aplica principalmente a aprendizagem de movimentos estereotipados, aqueles movimentos que sao executados com os mesmo padrao, e em certa ponto, e similar a teoria proposta por Adams (1969). No entanto, estudos seguintes que usaram essa abordagem de sistemas paralelos de aprendizagem e de selecao de acoes confirma que esses mesmos principios podem ser aplicados a situacoes mais dinamicas, onde acoes podem ser selecionadas a partir de processos mais cognitivos e deliberativos sem a necessidade de terem sido previamente aprendidos. Hikosaka nao aborda, no entanto, de forma mais clara como acontece a transicao entre estagios. Eu espero em breve poder compartilhar aqui uma serie de estudos que eu conduzi com seres humanos e utilizando ressonancia magnetica funcional, onde eu proponho um modelo computacional em que cada estagio de aprendizagem um algoritmo especifico e utilizado para a selecao de acoes, associados a estruturas especificas do cerebro.

PS. O proximo post abordara de forma rapida e um pouco superficial os resultados da analise da ativacao das regioes cerebrais, cujas funcoes serao descritas com maior detalhe em artigos futuros.